13 de dez. de 2010

Trabalhos da Semana

A encadernação de livros de cartório é um trabalho árduo e paciente.
São livros de grande porte, que medem de 41 a 60 centímetros de altura e alguns chegam a pesar mais de dez quilos.
A maioria está em adiantado estado de deterioração, pois são manuseados diariamente, mesmo os livros mais antigos. Apesar dos recursos de digitalização e com todos os dados disponiveis no sistema de informática, é necessario conferir os dados no próprio livro para a emissão de certidões e outros atos cotidianos.
Assim, a produção é necessariamente limitada.
Livros reparados e encadernados.
O maior deles, medindo 59,5 X 45 cm é de cartório do interior do Paraná, enviado pelo SEDEX sem problemas.
Os outros são de cartórios de Curitiba.




Outra semana, outros trabalhos em diversos formatos

18 de nov. de 2010

Bibliotecários Incongruentes

Por definição, o bibliotecário é um profissional de informação. Pode ler todo o capítulo da Wikipédia que não vai achar a definição romântica que se espera: a de cuidador e provedor do livro. No máximo, suas atribuições são de organizar livros.
Mas eu tenho, pessoalmente, uma impressão desagradável dos bibliotecários, resultado das incongruências entre o que são e o que deveriam ser. Entre o que tem o privilégio de aprender mas não utilizam na prática.
Tudo começou quando fui na Biblioteca Nacional. Tinha que ficar uns dias à toa no Rio de Janeiro para acompanhar o desfecho de um processo judicial e pude ficar um dia inteiro lá dentro. Fui para conhecer o setor de Encadernação.
Lugar místico, limpo e organizado, com os encadernadores trabalhando em bancadas antigas, debruçados sobre livros  que eram carinhosamente restaurados. Apresentei-me como encadernador curitibano, interessado em conhecer o atelier e aprender algumas manhas.
Carioca é único. Fui recebido com muito mais consideração do que merecia até que reclamei do quanto era difícil aprender mais sobre encadernação em Curitiba. Meu guia me disse que regularmente alguém da Biblioteca Nacional ia para Curitiba, para dar cursos de encadernação.
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Grosseiro e impertinente, disse a ele que esses cursos eram direcionados apenas a bibliotecários, sendo assim desperdiçados, pois são pessoas que nunca irão pegar um livro para encadernar.
E é a pura verdade.
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A partir desse dia, passei a analisar os livros de biblioteca que cairam em minhas mãos.
Li alguns da PUC-PR e estou lendo outros da Biblioteca do Banco do Brasil. E ambas as bibliotecas me emprestaram livros pessimamente encadernados. Nos dois casos, os livros  eram compostos de Cadernos, mas as páginas foram Furadas e Amarradas, tornando impossível abrir o livro inteiramente. É preciso ler segurando firmemente e olhar meio de lado no final das linhas da página à esquerda e no começo das linhas da página à direita. É cansativo para as mãos, que precisam segurar firme para manter o livro aberto e  para o pescoço que precisa se inclinar para acompanhar as linhas. Por azar, lia "Viva o Povo Brasileiro", do João Ubaldo Ribeiro, que não é um livro pequeno. No meio do livro,ouvi um estalo! Os fios arrebentaram e pude ler o livro sem me cansar, mas as folhas ficaram soltas.
Todos esses livros foram encapados com vulcapel fino e sem nenhuma douração, sem nome do livro e sem nome de autor, com apenas uma etiqueta de catalogação na lombada, que soltou no primeiro dia de leitura.
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O primeiro cuidado do bibliotecário deveria ser com o livro.
Ao reencadernar não jogar fora a capa original, mas conservar, mesmo sob a nova capa padronizadinha. Essa mesma que é chamada de "capa dura" e representa a mais rasteira e frágil forma de encadernar um livro.  É pela capa que imediatamente datamos o livro, pelo estilo de um dado período, pela interpretação que um artista gráfico deu à obra. Veja os livros de Saramago: todos trazem uma gravura de Arthur Luiz na capa. Algumas capas são belíssimas, como a do "Arco Íris da Gravidade" de Thomas Pynchon. Mesmo capas de livros técnicos, permitem localizar imediatamente a data de publicação da obra, pelos recursos utilizados. Poty Lazzarotto está tanto nas capas como no corpo de livros de grandes escritores brasileiros seus contemporâneos. A capa nos dá a primeira impressão sobre o livro, mesmo as péssimas capas.
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Recentemente, o CEFET-PR padronizou as capinhas dos livros pelo horroroso critério de menor preço. Agora, estão bem escondidos sob capas de mesma cor para cada área. Além disso, todos foram furados, amarrados e refilados. Por fora parece limpo, por dentro o livro está condenado. Duro de abrir, tem que ser forçado e não vai aguentar o primeiro manuseio. Já imaginou precisar de uma xerox de uma tabela ou de um diagrama? Vi pilhas de capas originais simplesmente jogadas no lixo pelo encadernador. Eu estava lá e vi.
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Realmente, não entendo os bibliotecários. Realmente, não entendem os bibliotecários.

13 de set. de 2010

Uma folha e sete erros


Uma única folha de um livro oficial foi vítima de, no mínimo, sete erros graves.
Cada ato humano praticado sobre essa folha, reduzindo-a a este estado lamentável, tem como explicação o pouco caso com um documento público, a ausência de técnicas de encadernação e o despreparo das pessoas que manusearam o livro desde 1934.
Este livro, iniciado em 1934, sendo feito com papel inglês de excelente qualidade, de folhas finas e resistentes. Sofreu pelo menos uma interferência de re-encadernação, em data incerta, talvez início dos anos 70, provavelmente, pelas oficinas do SENAI em Curitiba, por etiquetas que encontrei em alguns outros.
Outros erros poderiam ser acrescentados.
Por exemplo, todas as marcas do livro original, como etiquetas e dourações,  não foram conservadas.
Outro erro: os livros foram recosturados sem restauro das folhas. Assim, a cola (cola vermelha feita para fazer blocos!) usada na lombada da nova encadernação penetrou profundamente nos rasgões, tornando a abertura do livro forçada e ainda mais difícil desmontar o livro para fazer o trabalho corretamente.
Por incrível que pareça, ainda há outros erros, mas vamos combinar focar atenção só nessa folha.
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1 - Fita plástica auto-colante (durex)
De forma muito tosca e canhestra, grudaram fita adesiva para prevenir que a dobra na folha se tornasse um rasgão. O resultado é a oxidação da área atingida e a destruição da fibra do papel.
O detalhe é que a fita adesiva já estava se soltando e não está mais ali. Se fosse recente, não poderia ser retirada sem danificar o papel e levar junto o texto. No médio prazo, qualquer fita adesiva perde aderência e se despreende do papel,  deixando uma matéria oleosa sobre o papel.
2 - Esta folha foi colada diretamente na folha de guarda - que é a folha dupla que fica presa à capa do livro - cujos restos mais brancos ainda são visíveis. A cola avançou quase dois centímetros sobre o papel. Assim, essa folha ficou presa , acompanhando o movimento da capa, que foi o que realmente causou a grande dobra atravessando a folha de alta a baixo (2.a).
3 - Dobras resultantes do manuseio do livro, selecionando folhas pelo canto inferior. É também causado pelo item anterior.
4 - O uso de tinta vermelha para colorir a lateral das folhas é uma prática iniciada por monges medievais que buscavam o efeito de imitar o "sangue dos mártires". Aqui foi usada tinta comum em excesso, na tentativa de disfarçar os dentes da guilhotina, tendo penetrado fundo na folhas.
5 - O livro foi GUILHOTINADO nos três lados, pois as laterais estavam puídas e sujas pelo manuseio e não foram devidamente restauradas. Portanto foram simplesmente cortadas. O livro ficou torto, com diferença de 0,4 mm no lado esquerdo e de 0,06 mm na parte de baixo. Além disso, a retirada de cerca de um centímetro em cada corte deixou o texto de algumas folhas perigosamente próximo do final da folha e em alguns casos, o texto foi cortado pela guilhotina. Em museologia, isso é mutilação.

Na boa técnica de encadernação clássica, UM LIVRO JAMAIS DEVE SER REFILADO.
6 - Por via das dúvidas, o anterior encadernador escreveu com tinta esferográfica, em letras enormes, o número do livro. Desnecessário, infantil e interferência injustificável num documento público.
7 - A folha de guarda que estava sobre essa, era composta de uma grossa folha de papel barato, semelhante aos antigos papéis de embrulho. Sem nenhuma tinta de marmorização que a protegesse deste papel inferior e mesmo da cola que uniu a folha de guarda à capa, a nossa pobre folha foi atacada pela elevada ACIDEZ do papel e da cola, ficando com essa coloração marron escura em toda sua área. Outra consequência da acidez é o ressecamento da folha, muito adiantado, mesmo considerando sua idade.
Tivesse usado papel de boa qualidade e marmorizado para a folha de guarda
usando ainda pelo menos duas folhas em branco em seguida, a folha oficial estaria protegida e duraria muito mais.
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Espero que esse artigo sirva para mostrar o que não se deve fazer. 
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O mais grave é que todos os livros do acervo foram trabalhados pelo mesmo método e apresentam deterioração até maior do que esse exemplo.
Adiante, prova de guilhotinagem:

9 de ago. de 2010

Cartorários e Documentos Públicos

 de Oswaldo Gonzales
Elaborei Normas Técnicas para dar ao Conselho Nacional de Justiça,
Cartorários, amantes de livros e a qualquer interessado padrões a ser exigidos do encadernador.
Nas Justificativas, incluí um item interessante. Conto com a compreensão dos novos cartorários sem vínculos emocionais com o acervo, para que não me culpem por expressar o resultado de minha experiência pessoal. Por outro lado, minhas atuais relações com cartorários concursados estão comprovando que, dentre eles, há alguns com genuíno e louvável interesse em restaurar e preservar o acervo que lhes foi confiado. Na ausência de um envolvimento ancestral, pode ocorrer o amor à primeira vista. Contudo, esses casos de real interesse na preservação do acervo ainda não é a regra. 
Há uma discussão na Imprensa, sempre maniqueísta e simplista, que não deve ser levada a sério,  pois aborda a questão de um ponto de vista de justiceiro e não de informador. Elege um lado, normalmente o lado do falso moralismo e do lugar comum, sem se aprofundar no verdadeiro problema, o descaso para com os documentos públicos, pois os cartorários vem e vão, mas os documentos permanecem.
Segue o texto.
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II.8.a. Continuidade e Eternidade
Segundo o novo regramento legal para sucessão de titulares de órgãos registrais, a nomeação do titular ocorre após sua devida aprovação em concurso público. Até recentemente, a titularidade era herdada, transferida pelo titular ao seu descendente direto, com endosso da autoridade legal.
Respeitando os argumentos louváveis e pertinentes que são contrários à transmissão de pai para filho, levanto a questão do “Princípio de Continuidade” de que sou testemunha em muitos casos. Por exemplo, um titular afirma que seus livros foram manuscritos por seu avô, continuados por seu pai e a ele confiados, demonstrando o forte vínculo pessoal e sentimental que mantém com seu acervo.
Percebe-se a genuína e emocionada motivação para preservar os livros, mantendo-os conservados muito mais por este valor sentimental íntimo explícito, do que pelo valor documental e histórico. Testemunhei essa atitude em muitos cartórios onde atuei.
Uma vez extinta essa forma de transmissão, adotada a nomeação por concurso de pessoas que se sucedem sem laços entre si, cresce a necessidade de formular normas precisas e padrões ideais, poupando ao titular o trabalho de zelar por detalhes técnicos que podem ser inteiramente estranhos ao seu conjunto de conhecimentos. Por outro prisma, impõem ao titular os cuidados necessários e os custos suficientes para garantir a guarda e conservação dos documentos públicos sob sua responsabilidade, sem sucumbir à tentação de reduzir custos com conseqüente sacrifício da qualidade.
Essas considerações constituem tese a ser confirmada ou refutada, não caracterizando, necessariamente, a atitude dos titulares nomeados para administração de um acervo pelo qual não tem apego pessoal, estando imbuídos de responsabilidade civil e criminal inerentes à função. Contudo, a imprevisibilidade do novo método suscita seja implantado e estimulado o “Princípio de Eternidade” , ou seja, da necessidade de adotar procedimentos que assegurem a longevidade indefinida dos documentos públicos por sua importância documental e histórica implícita.
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Curioso Uso da Urina na Tipografia do Século 18

No livro "Enterrem as Correntes" (Bury the Chains) de Adam Hochschild, o primeiro grupo de antiescravocratas se reúne na tipografia do Sr. James Phillips, na Rua George Yard, 2, em Londres. Era a tarde do dia 22 de Maio de 1787 e eram doze homens que iriam dar início ao primeiro movimento organizado em prol dos direitos humanos.
Autor preocupado em ilustrar a obra com detalhes sobre a época, faz uma descrição de como era o trabalho na tipografia.
"Os tipos estariam em bandejas inclinadas de madeira com compartimentos para as diferentes letras; os tipógrafos que compunham em linha reta letra por letra estariam trabalhando, no final do dia, sob a luz de velas de sebo, cuja fumaça, ao longo das décadas, escureceria o teto.
"Os impressores, operando manualmente uma prensa plana, pegariam as grandes folhas de papel de prensa, cada qual com muitas páginas impressas. e usariam um instrumento semelhante a uma vara para pendurá-las no alto, nas dúzias de varais, para a tinta secar. Em volta, nas laterais da sala, pilhas de folhas secas, o último livro contra a escravidão ou um panfleto dos quakers, estariam esperando ser dobradas ou encadernadas. E, finalmente, o mais característico de uma tipografia do Século XVIII: o seu cheiro.
"Para colocar tinta nos tipos, quando estavam na base plana da prensa em que era colocada a fôrma, os impressores usavam uma almofada de couro revestida de lã com um cabo de madeira. Devido à alta concentração de amônia, o solvente mais conveniente para limpar os resíduos de tinta que acumulavam nessas almofadas era a própria urina dos impressores. As almofadas eram mergulhadas em baldes de urina, em seguida espalhadas no chão ligeiramente inclinado para que os impressores andassem sobre elas quando trabalhavam, comprimindo-as para que o líquido escorresse."
Esse é relato do autor, que pode ser a mais pura verdade, mas chego a duvidar que acontecia na época da reunião, parecendo ser coisa de duzentos anos trás. Nunca se sabe!
Leiam o livro. É genial.

Clima seco e o ressecamento de papel e livros

Depois  de enfrentar primavera e verão com alagamentos e elevada umidade do ar, o inverno nos traz dias de clima seco.
Estas situações climáticas extremas produzem efeitos igualmente nocivos para o papel e algum cuidado é necessário.



Para acervos valiosos, como em museus e bibliotecas, a umidade do ar é mantida em torno de 50% graças a cuidados com isolamento do local e sistemas de condicionamento do ar diariamente calibrado por higrômetro.
Contudo, a imensa maioria dos outros livros está guardada em locais comuns, como numa estante em nossa casa, em bibliotecas públicas de grande fluxo de pessoas, em acervos particulares onde o dono prefere os livros expostos nas paredes do que protegidos em uma sala climatizada, em bibliotecas escolares que já fazem muito por simplesmente existirem, em inumeráveis situações e em salas ou armários de cartórios. Como em todos esses ambientes é essencial que o livro esteja ao alcance dos interessados, por comodidade ou praticidade, ficam permanentemente expostos a variações de umidade.
Exemplos extremos
Um livro guardado em sala com intensa circulação de pessoas, num cartório instalado em um casarão antigo de Paranaguá, porto marítimo do Paraná. Está tão úmido que seria possivel torcer e ver gotejar água. A capa de papelão com acabamento em lona está mole e solta, pois a cola orgânica antiga amolece com a umidade. Todas as folhas estão umidas, desde as iniciais até as mais internas. Há amostras de cupins em todos os estágios do inseto: ovos, larvas, cupins adultos e restos de cupins mortos.
Um livro de uma cidade do norte no Paraná está completamente ressecado, com as folhas quebradiças que se partem ao menor descuido, com quase todas apresentando pequenos rasgões na área perto das costuras onde as folhas se dobram quando o livro é aberto.
Dois exemplos extremos de livros sob condições mais ou menos estáveis. Mas essas condições podem ocorrer alternadas numa mesma região, como em Curitiba, por exemplo, onde as estações são bem distintas. Aqui, tivemos primavera e verão com muita chuva e estamos com o outono prometendo ser seco.
Não encontrei nenhum índice que meça a evaporação da celulose, seja no ambiente de umidade e temperatura ideal, seja em condições extremas. Mas a experiência aponta que um papel de media qualidade, guardado em uma estante mais ou menos ventilada, começa a apresentar sinais de oxidação em poucos anos, enquanto os efeitos da umidade ou do ressecamento já são sensíveis alguns dias depois.

Pobres Livros de Cartorio no Interior

Os pobres cartórios do interior sofrem com a falta de mão de obra especializada no restauro e conservação de seus livros oficiais.
Quando muito, dispõem de um esforçado encadernador que também faz os livros contábeis e um ou outro trabalho de monografia, quase nunca tendo oportunidade de trabalhar em livros propriamente ditos. Para todos os trabalhos, usam a mesma técnica simplória e os materiais mais frágeis. Aliás, os encadernadores comerciais das Capitais e das cidades maiores também trabalham assim.
De tempos em tempos, os cartórios recebem propostas de encadernadores de São Paulo ou Santa Catarina, oferecendo seus serviços. Conheço um caso aqui mesmo em Curitiba, na 2ª Circunscrição. Contrataram o serviço, que incluía transporte, estadia e alimentação de duas pessoas, usando dependências do próprio cartório. Imagine-se o custo e o transtorno.
Os livros foram batidos para igualar as folhas, foram furados e amarrados com linha de pesca, colada a lombada com grossa camada de cola sobre os cadernos sem restauro e um pedaço de tecido sobre tudo. A Capa foi feita de folhas duplas de papelão cinza, sem nenhum lixamento, cobertas finalmente por corvim.
Não resta nenhum deles nessa circunscrição, pois estavam caídos das capas e com as folhas partidas pela linha de pesca e refiz todo o acervo faz uns quatro anos. Mas ainda existem muitos por aí. Caros, feitos sem nenhuma técnica e frágeis.
Optar por um serviço desses traz como conseqüência a redução da vida útil do livro.
Além de precários encadernadores locais e dispendiosos encadernadores importados, a única outra saída é recorrer ao meu trabalho.
Mas, como providenciar o transporte seguro dos livros? São documentos únicos e insubstituíveis, sendo impensável pensar que possam ser perdidos.
O primeiro obstáculo é colocado pelo juiz local. Teme tirar o livro da Comarca, pois tem zelo pelo documento.
O seguinte obstáculo é a inexistência de transportadoras que ofereçam garantias totais de que o transporte será feito com cuidado, responsabilidade e eficiência. Fazem triangulações e transbordos, aumentando o risco de imprevistos. Têm a aparência de transportadoras de atacado, tratando todas as mercadorias com igual desinteresse.
O PAPEL DOS CORREIOS
Uma instância que deveria inspirar confiança absoluta é a dos Correios e do SEDEX, mas até hoje não encontrei nenhum titular de cartório que não tremesse diante dessa hipótese. Todos desconfiam dos Correios, alguns tendo tristes experiências pessoais de extravio de documentos e do péssimo estado que chegam ao destino, quando chegam.
Estou tentando obter dos Correios dados estatísticos sobre eventos de extravio, mas não acredito que minhas solicitações sejam atendidas. Uma empresa concessionária de serviços públicos costuma agir com extrema arrogância, julgando-se inamovível de sua posição. Provavelmente, não serei sequer considerado. Se, por acaso, obtiver resposta, vou receber deles uma coletânea de argumentos corporativos, típica de um organismo que se apega à mentiras que inventa e nega o que acontece no nosso mundo real.
Se, desafiando meu pessimismo, os Correios puderem oferecer argumentos que desmintam a imagem de ineficiência e possam prestar um serviço absolutamente sem falhas, serei seu maior divulgador.
Por enquanto, alguns cartorários conseguem me mandar uns livros, com sacrifício e dificuldades. Um, manda pelo prefeito da cidade que, solícito e cooperativo, traz um livro quando vem a Curitiba. Outro, aproveita uma convenção ou uma visita de família, para trazer aqueles livros mais deteriorados.
A grande maioria apenas lamenta não ter como mandar e nem a quem recorrer. Meu conselho a eles é que esperem. Não confiem o livro a nenhum respeitável encadernador. Deixem descansar os livros tão dignamente envelhecidos, contando sua história nas capas puídas e nas folhas amareladas e soltas. Um dia serão salvos, se Deus quiser.
Abaixo, minha tentativa junto aos Correios:
Caro(a) Pedro Malanski
Sua mensagem foi registrada em 13/04/2010 - 12:17 sob o código 6276682.
Agradecemos por utilizar os serviços dos Correios.
O prazo previsto para responder sua manifestação é de até 5 dias úteis.
Entretanto, informamos que poderá ocorrer comprometimento no prazo das respostas, nas seguintes situações:
- Dados incompletos no registro da manifestação;
- Quando identificada falha na prestação do serviço de objeto postado sobre registro, passível de indenização ou restituição de preços postais.
Atenciosamente,
Central de Atendimento dos Clientes dos Correios
Seu(s) questionamento(s) foi (foram):
Senhor administrador.
Realizo trabalho de encadernação e restauro de livros para cartórios de Curitiba. Tenho sido consultado por titulares de cartório do interior do Estado, mas enfrento o problema de transporte desses livros. São livros de tamanho máximo de 60 X 40 centímetros, com uns 10 cm de espessura, pesando, no máximo, 20 quilos.
De grande responsabilidade e insubstituíveis, os cartorários TEMEM CONFIAR ESSE MATERIAL AOS CORREIOS. Falam do estado que as encomendas normalmente chegam, de extravios, de temor generalizado.
Para tentar desmistificar ou esclarecer os cartorários, TENHO ARGUMENTADO que é confiável e rápido, custando pouco. Mas não tenho convencido ninguém.
Peço sua ajuda, informando-me se há alguma estatística sobre extravio ou danos de correspondência.
Se há alguma forma de convencer meus clientes de que o risco é mínimo.
Se existe alguma garantia que os Correios possam fornecer, talvez mesmo uma correspondência de nossa administração estadual que tranquilize esse público.
Se há casos em que o transporte de documentos públicos já é feito.
Tenho deixado de fazer imúmeros livros do interior e os poucos que faço chegam por ajuda de terceiros, de forma que há muitos livros precisando de minha urgente interferência.
Sendo o meu trabalho único, com utilização de técnicas clássicas e materiais nobres, realmente não há outros que possam realiza-lo.
Agradeço muito se puder dedicar um pouco de seu tempo para o assunto, em nome de tantos livros em triste condição.
Há mais informações sobre meu trabalho no BLOG: "CUIDAR DO LIVRO".
*****
Esta é uma mensagem automática. Por favor, não a responda. Caso queira contatar os Correios ou registrar uma nova manifestação, utilize os canais abaixo:
Internet: www.correios.com.br
Pesquisei superficialmente o tema "correios*reclamações*acidentes*extravio" e a quantidade de eventos  é enorme. Notíciais de hoje, dia 17 de abril, apontam que houve 850 ocorrências no PROCON de São Paulo. Uma delas, de um LUTHIER que encaminhou um instrumento de sua autoria e foi parar em outro lugar.
Já estou desistindo.

DIÁRIO DOS CORREIOS
Hoje é 23 de Abril, quase dez dia depois de minha tentativa inicial. Nenhuma resposta dos Correios.
Parece que eles se prestam mais a fazer entrega para contrabando, remédios sem receita e papéis absolutamente irrelevantes. É engraçado: uma empresa que deveria zelar, acima de tudo, pela sua credibilidade, não ser digna de confiança. Mais irônico ainda, é que podem estar pensando numa "grande campanha publicitária que resgate a credibilidade dos Correios perante a população".
Dia 27 de Abril, SILÊNCIO.
Remeti via SEDEX um livro no formato 60 X 45 cm, pesando 14 quilos, para uma cidade do interior do Paraná. Custou R$34,10, com código de rastramento.
Resolvemos acreditar na qualidade dos Correios no nosso Estado.
Dia 28 de Abril.
Recebi um livro formato 60 X 45 cm. postado ontem do interior. Chegou rápido e em perfeito estado.
Ponto para o SEDEX.
Contudo, jamais obtive resposta ao meu questionamento.

Tenho realizado inúmeros trabalhos para o interior do Paraná, e para São Paulo, capital e interior, usando o SEDEX.
Nunca houve qualquer atraso ou acidente.
 


Livros de Cartório

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Livros inteiramente restaurados.



Todas as folhas foram reparadas e as dobras dos cadernos foram reforçadas.
O livro foi recosturado com reforços em tecido.
A capa tem lombadas e cantos em couro e espelho (parte central da capa) em tela (tecido com base de tinta latex e marmorizado em tinta esmalte).
Outros detalhes:
  • Nervuras para proteção da douração.
  • Folhas de guarda em papel marmorizado.
  • Inclusão de novos cadernos de quatro folhas, em branco, no começo e no fim do livro, para proteção das folhas oficiais.
  • Reparos com papel-seda ou japonês.
  • Nunca refilo um livro (cortar os lados das folhas), faço lixamento e pintura das laterais.
  • Uso de folhas duplas de "Papelão Couro" para as capas, mais denso do que o cinza, devidamente lixado e arredondado nas bordas, para não morder o couro.
  • Costura com fio encerado com cera de abelha, para prevenir fungos.
  • Retirada de materiais estranhos (durex, grampos, pó de borracha, etc) e limpeza.
Estes e muitos outros detalhes fazem o meu trabalho único.
O nível de sofisticação e carinho com o material não são encontrados facilmente por aí.
O preço?
Esses aí, saíram por cem reais cada um, fazendo parte de um acervo a restaurar de cerca de mil livros.
O resultado: Livros salvos da decrepitude, resistentes ao manuseio cotidiano e muito bonitos!
Modéstia para quê? "É a nulidade de todos os talentos e o talento de todas as nulidades" (A. Conte).

8 de fev. de 2010

SECANDO LIVROS MOLHADOS

Recuperação de Livros Molhados
Livros Salvos de Inundação
Secagem de Livros Oficiais 
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Melhorei esse post depois de colaborar na Revista Superinteressante,edição de Junho/2011, sobre o tema: 

Recuperação de Livros Molhados
Livros Salvos de Inundação
Secagem de Livros Oficiais 
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Com as inundações flagelando tanta gente nesse ano de 2011, resolvi dar uma repaginada nesse post, tornando-o mais prático.
 
São muitos os eventos que podem desencadear a inundação de um acervo de livros. Problemas de encanamento, ar condicionado defeituoso, goteiras e infiltração do apartamento vizinho afetam os livros de forma superficial e quase sempre de forma localizada. Contudo, as inundações que tem ocorrido em muitas regiões nesta temporada tem atingido acervos de bibliotecas e cartórios. As bibliotecas são constituídas de livros comuns que podem ser repostos, mesmo se esses livros são livros raros ou dispendiosos. Mas os cartórios guardam documentos importantes, os registros públicos únicos e insubstituíveis.
Em qualquer caso, o tempo é essencial para salvar o acervo.
A água pode causar danos desproporcionais à quantidade. Misturada a terra e sujeira, encharca o papel, devendo ser desinfetado para futuro manuseio. O bolor forma-se normalmente a uma temperatura a partir de 21ºC e umidade relativa de 65%, mas pode formar-se em menos de 48 horas depois de uma inundação.


Mas não é apenas o bolor que representa problema. Numa inundação tudo é contaminado por outras pragas, sujeira e bactérias. Mesmo na água que por acaso escorre de um aparelho de ar condicionado que funciona mal ou de uma goteira do telhado pode haver urina de rato. Assim, podem causar doenças sérias com danos à saúde e até mesmo a morte.


Portanto, em primeiro lugar, avalie com critério rígido o que TEM QUE SER RECUPERADO. É preferível PERDER UM LIVRO OU QUALQUER OUTRO OBJETO do que manuseá-lo demais, MESMO COM PROTEÇÃO. Porisso indico o congelamento: não exige muito manuseio.


Se você tiver recursos, se o material é imprescindível, como no caso de Cartórios, siga os seguintes procedimentos:


1-Parar o fluxo de água e afastar a água da zona infectada;
2-Garantir a segurança do pessoal que entra na zona inundada com água parada, usando botas impermeáveis e nunca manuseando os livros atingidos sem proteção de luva de borracha;
3-Retirar o material molhado da zona inundada de maneira ordenada;
4-Pressionar cada livro para retirar o excesso de água, guardar em engradados plásticos com empilhamento de 30 cm no máximo, se muitos, em bacias ou recipientes plásticos abertos e levar para congelamento;
4-Iniciar o processo de Congelamento ou secar o material dentro de 24 horas, com gelo, secagem à vácuo, ou à mão;


Para livros ou qualquer objeto de papel, como álbuns, documentos soltos, deve ser usado o compartimento de congelamento de um refrigerador frost-free caseiro, usualmente de -14ºC. O processo pode durar até dez dias. Existem empresas que podem ceder ou alugar espaço em suas câmaras de até -29ºC, como supermercados, distribuidores de frios e carnes, o que garante maior rapidez no processo e destruição absoluta de todos os insetos e fungos.


O ventilador pode ser usado em fotografias ou documentos soltos, desde que antes seja lavado com esponja umedecida em detergente bactericida. Em livros, não funciona, pois não evita o entumescimento (tumefação) das folhas, as folhas incham e não voltam à espessura original, ficando o livro iremediavelmente deformado e as folhas escurecidas. O pior é que, mesmo depois de seco, o livro fica realmente fedorento e ainda está contaminado. Como as fibras ficaram comprometidas o papel vai ficar quebradiço e frágil




Diplomas, gravuras, telas e documentos importantes podem ser lavados em esponja umedecida em detergente bactericida,  depois colocados entre folhas de toalhas de papel, pressionando-as levemente. Trocar as toalhas de papel até que esteja o mais seco possível e deixar secar completamente em ambiente arejado. Não deixar sob o sol, pois o papel vai amarelar por oxidação.


Para retirar manchas de oxidação, deixar em água de torneira corrente por alguns dias até branquear por ação do cloro na água.


Livros feitos de papel couchet, por exemplo, como o material de revistas, se molhados as folhas grudam umas às outras e podem ser considerados perdidos sem remédio.

Assim, é preciso agir nas primeiras 6 HORAS após a inundação. Há autores que estendem o prazo por até 24 horas, mas a ação deve ser imediata.
Ao contrário do senso comum, não deve abrir o livro ou levá-lo para o sol, nem usar secador ou ventilador.
O melhor método é o de SECAGEM POR CONGELAMENTO A VÁCUO.
O livro deve ser colocado para congelar um câmara frigorífica frost-free a -20ºC, ou mesmo num freezer que funcione no sistema frost-free, existem muitos modelos à venda. Esse sistema funciona retirando a umidade e mantendo a temperatura de congelamento.
Se encapados com tecido, podem ser empilhados diretamente. Se é encadernação com uso de vulcapel (plástico), devem ser separados por uma folha de papel para assar carnes ou mesmo por uma folha de alumínio. É aconselhável o empilhamento em colunas com espaço entre si, para evitar que os livros fiquem deformados.
*
No vácuo e a menos de 0ºC, ocorre o fenômeno de SUBLIMAÇÃO, quando os cristais de gelo evaporam sem liquefazer e a umidade é retirada do ambiente.
O processo pode demorar mais de dez dias, conforme a quantidade.
Depois de secos, devem passar por desinfecção, limpeza e reencadernados, se necessário.


Se o seu acervo for atingido, procure um supermercado, um distribuidor de frios, dentre empresas que tenham câmaras frigoríficas à vácuo. Solicite auxilio ou alugue espaço nesses locais.


LEMBRE-SE: PENSE PRIMEIRO EM SUA PROTEÇÃO E SEGURANÇA
®
OUTROS MÉTODOS
Exitem métodos para secagem de livros e  documentos molhados. Contudo, nenhum deles RESTAURA o material, pois qualquer que seja o procedimento, o material não recupera a mesma condição anterior ao evento.
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SECAGEM AO AR
Para documentos em folhas separadas, pequenos livros ou moderadamente umidos. O livro é prensado para retirar o excesso e desmontado.  As folhas são limpas,  espalhadas, cobertas com tecido ou papel toalha e submetidos a ventilação constante. Demanda muito cuidado para que não rasgue ou fique distorcido e amplo espaço para trabalho. Pela aplicação de mão de obra, é trabalho de alto custo.
*
DESUMIDIFICAÇÃO
Tambem para livros moderadamente molhados. Consiste em usar máquinas de desumidificação a frio diretamente no ambiente. É o método mais precário.
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SECAGEM POR CONGELAMENTO
Usado nos livros ainda úmidos numa câmara frigorífica  Os livros precisam ser congelados ainda molhados, apertados e separados com papel de congelamento, levados à câmara frigorífica com temperatura por volta de -23 graus, para reduzir distorções. O processo leva até algumas semanas.
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SECAGEM TÉRMICA A VÁCUO
É necessária câmara especial para o processo. Consiste em submeter o livro ainda molhado e congelado a um ambiente a vácuo, com uma fonte de calor. Para materiais muito danificados pela água, é a melhor solução, mas exige ambiente especial e equipamento semelhante ao ar condicionado. Não evita tumefação e fundição do papel.
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RESTAURO E ENCADERNAÇÃO
Em todos os casos, será necessário reencadernar os livros, restaurando-os no processo, pois a água dilui as colas usadas, seja ele a orgânica e mais antiga, seja a cola branca mais moderna.
Além disso, a restauração vai desinfetar e limpar as folhas, permitindo que o livro possa ser novamente manuseado, bem como a encadernação vai proteger as frágeis folhas sobreviventes da inundação.
Todo o livro molhado fica mais frágil e é dispendioso e demorado fazer todo o restauro necessário. Por exemplo, o processo de limpeza e branqueamento é feito folha por folha, cada uma delas devendo ficar por dias debaixo de ÁGUA CLORADA CORRENTE. Sendo técnica utilizada apenas para livros raros, gravuras valiosas e documentos históricos. É impraticável quando o material comprometido é abundante mas os recursos financeiros são limitados.
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É LEITURA OBRIGATÓRIA a todos os responsáveis por documentos públicos, o "Caderno Técnico" do Projeto Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos. Ali são descritos cuidados, técnicas e procedimentos que devem ser adotados em caso de inundação.
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SALVANDO LIVROS
Tenho lido relatos de cartorários e suas providências para salvar o acervo.
Passado o desespero inicial, adotaram práticas tardias, como secar com papel absorvente, folha por folha, encadernando com técnica ligeira e outros procedimentos ingênuos apesar de utilizados por técnicos na área. Cuidado na escolha da solução! Pode ser mais ampla e simples, com menor custo e qualidade superior na encadernação, respeitando a integridade do livro. Não permita que explorem sua aflição com soluções dispendiosas.
PROCEDIMENTOS DE RECUPERAÇÃO
Os procedimentos adotados em Paraitinga, São Paulo, para os livros encharcados em inundação, obtiveram os resultados que a equipe de encadernadores havia estabelecido. Recentemente (Maio de2012), fui informado que não foram satisfatórios doponto de vista de um cartorário. 
O livro apresentado pela equipe, apresenta-se limpo, ligeiramente entumecido, tendo sido refilado para limpeza das laterais das folhas, o que é visível pelo pouco espaço de margens. A técnica utilizada para manter as folhas coesas e manuseáveis, foi a de Pasta, que consiste em PERFURAR as folhas e uni-las por parafuso. Logo, não é um Livro e nem um Bloco. A capa é de papelão cinza coberto por vulcapel, com revestimento interno apenas em papel branco, podendo ser visto um exemplar ainda sobre a mesa.
Tendo por critério a resistência do volumoso livro ao manuseio, a Pasta é frágil pelos seguintes motivos: Se guardado em pé na prateleira, os furos vão ceder, as folhas vão se apoiar diretamente na prateleira, as capas vão ficar puídas e o vulcapel vai rasgar na retirada e colocação do livro.
Qualificar o resultado obtido como "restauração", não é apropriado, pois não foram respeitadas as características originais dos livros, provavelmente dos anos de 1950 em diante, tarefa que demandaria maiores conhecimentos da equipe e que jamais seria satisfatoriamente concluida pelas limitações de material adequado às quais todos os encadernadores atuais estão sujeitos.
A técnica que eu utilizo é a de unir as folhas por serrotagem e amarração, utilizando capas tradicionais de material mais resistente, como couro e tecido, que não representam custo muito maior e dão ao conjunto (ainda não um Livro, mas um Bloco) resistência ao manuseio, preservação do conteúdo e longevidade indefinida.