30 de nov. de 2011

Encadernação

A boa técnica de encadernação clássica  implica numa sequência de procedimentos realizados de maneira correta e segura.
Com a banalização do livro nos últimos quinhentos anos, banalizou-se também a técnica, ficando reservada aos livros de grande valor bibliográfico ou documental.
Novos procedimentos passaram a ser adotados nos livros comuns, bem como novos materiais. O Encadernador passou a exercer outros ofícios, como o de Restaurador e de Dourador, na tentativa de agregar valor à sua atividade.
A grosso modo, identificamos que existem atualmente três escolas, ou vertentes da Encadernação. A Clássica, a Decorativa e a Comercial.



Clássica de Florindo & Costa
A Encadernação Clássica


Aquela onde são utilizadas técnicas manuais demoradas e elaboradas, com utilização de materiais nobres e absoluto respeito à obra encadernada. 


A Encadernação Decorativa


Bela e apropriada "Contemporânea" de Sergio Pitol,
Utiliza-se de princípios elementares da encadernação clássica, privilegiando o efeito decorativo segundo preferências pessoais do encadernador, a partir de sua etnia e cultura particular ou das tendências e modismos de seu tempo. É também chamada "Encadernação de Arte" ou "Contemporânea" e faz uso indiscriminado de materias nobres e sintéticos.



Comercial
A Encadernação Comercial


Conjunto de técnicas básicas que se utiliza de materiais sintéticos e privilegia o baixo custo e a padronização, indiferente ao conteúdo e valor da obra encadernada. Atende à demanda por livros didádico-acadêmicos, fiscais e obras populares.
São suas características a fragilidade e o baixo custo.

Com a banalização da arte de encadernar, vem ocorrendo a perda de seus valores básicos e a confusão entre estas três escolas de encadernação.

Encadernação mista

Imitação de Clássico, A.Solarov
Encadernações que meramente imitam o design clássico, com aplicações de ferros, marcações e dourações sobre material sintético.



Ao confrontar qualquer pessoa que se utiliza regularmente de serviços de encadernação, enfrento o pior inimigo de todos os encadernadores: A IGNORÂNCIA. 

Tenho constadado que o cliente, seja ele um bibliófilo, um cartorário e qualquer pessoa leiga, não tem a menor idéia do que seja um "livro" e o que seja "encadernação" pois até então conhece somente encadernações comerciais frágeis e efêmeras.


Prova dessa realidade é demonstrada num vídeo recentemente divulgado, mostrando um livro sendo desmontado, reparado, costurado, recebendo indefectível cabeceado e uma capa em tecido.

É necessário alertar aos meus clientes e amigos, que essa não é a técnica clássica de restauração. É uma técnica de reparação, parcialmente correta.


Utiliza-se de diversos procedimentos inadequados, como:
* Passar pó de borracha para limpeza diretamente com as mãos, transfere ao papel a gordura dos dedos.
*  Aplicar papel de arroz diretamente sobre o texto com cola ácida, aparentemente de base PVA.
*  Usar tiras de tecido coladas e enrroladas, para a costura, que são muito abrasivas e ferem as folhas frágeis do velho livro.
* Colar a folha de rosto nova diretamente ao longo da lateral da primeira e da última folha do livro, provocando o sanfonamento da primeira folha do livro.
*  Bater a lombada de um livro de folhas frágeis e quebradiças e DEPOIS de colar.
Cabeceado grosso
*  Costurar o cabeceado com grossos fios abre brechas para entrada de poeira, insetos, umidade e acelera o ressecamento do papel.
* Usa folha em branco para a guarda, mas deveria ter usado uma folha de guarda envelhecida e da mesma cor do resto da obra ou uma folha marmorizada, protegendo o livro da acidez das colas da capa.
* Rejeitou o couro original e usou o papelão velho. O couro original precisa ser conservado, mesmo um fragmento, e é adequado usar papelão novo para dar mais estrutura ao livro. Mas não! Jogou o couro fora e usou o papelão!
* A jovem trabalha com pó de borracha e limpa com escova SEM NENHUMA PROTEÇÃO.
* Por fim, dá acabamento ao trabalho com TECIDO comum, que não respeita a integridade da obra centenária, nem sua história. Seria obrigatório usar couro parecido com o original.


Não sei a origem do vídeo, sem som, e acredito que os encadernadores não tiveram a pretensão de que esse fosse um trabalho de restauração. É apenas um trabalho de conserto, provavelmente de orçamento limitado. 

Limpando com Proteção

reliure classique
classic bookbinding


 

23 de nov. de 2011

Manifesto da Encadernação Clássica

Para que não sejam esquecidas e abandonadas as boas técnicas da encadernação clássica tradicional.
Defendendo as boas técnicas que asseguram aos livros Longevidade, Qualidade e Beleza.




Ou no texto:

Manifesto da Encadernação Clássica

1 – Todos os livros serão encadernados obedecendo as técnicas elementares da Encadernação Clássica.

2 – Todos os livros receberão a adição de uma folha de guarda, uma folha de rosto e uma folha adicional, tanto no início como no fim.

3 – Nenhum livro terá lombada falsa de espessura igual à das capas, não podendo exceder a espessura de um papel cartão.

4 – Todas as capas terão as laterais e os cantos do papelão previamente suavizados e arredondados.

5 – Nenhum livro será cortado ou refilado e fica abolida a guilhotina.

6 – Somente os trabalhos feitos de cadernos costurados serão chamados de “Livros”.

7 – Trabalhos feitos com folhas soltas amarradas ou coladas serão chamados de “Blocos”.

8 – Trabalhos com acabamento em material frágil receberão reforço interno em tecido ao longo da lombada.

9 – É obrigação profissional e compromisso ético de todo encadernador preservar a integridade dos livros que lhe são confiados, jamais mutilando ou desfigurando a obra original, conservando todos os seus componentes e informações.

10 – Todos os esforços são justificáveis para preservação das técnicas clássicas.


Se fosse enumerar todos os itens que são imprescindíveis em QUALQUER ENCADERNAÇÃO, não só nas clássicas, não seria mais um decálogo.
Se fosse criticar os cursos básicos de "encadernação" que proliferam em todo lugar, transmitindo aos bem intencionados leigos ensinamentos errados, parciais e prejudiciais aos livros, perderia muitos amigos e seria evitado por ser muito radical.
Enfim, esse é um trabalho aberto a sugestões e críticas, pois quem fala o que não deve ouve o que não quer.

11 de nov. de 2011

Monotipias Recentes

Antes que virem folha de guarda nas minhas encadernações.

Monotipias, ou marmorizados, técnica de tinta esmalte sobre papel, todas no tamanho 66X96 cm.





O Livro Torto

Curiosidade.

Um livro pode ser torto.


Ou nem tanto.




Técnica de Encadernação - A Capa


Técnica de Encadernação

A Capa

Um dos elementos mais evidentes em qualquer encadernação clássica, é o papelão para as capas.
Originalmente as capas dos livros eram feitas de pranchas de madeira ao natural ou recobertas de materiais nobres, como couro, linho, pergaminho, velino, ferros decorativos e placas de metais nobres.
Com a popularização do livro e suas diversas conseqüências, entre elas, a logística, o barateamento e o processo inteiramente industrial para fabricação do livro, o papelão foi adotado como elemento da capa e persiste sendo usado até hoje.
Há diversos tipos atualmente à disposição.

O Papelão Cinza

O “papelão cinza” feito de celulose e a partir da polpa de pinus eliotis é o mais utilizado na encadernação “comercial”. É muito ácido, de qualidade que vai de regular a péssima, conforme seu fabricante e mesmo conforme a variação de humor do mesmo fabricante.
Assim como acontece com o papel, a qualidade vem se perdendo. A massa recebe cada vez menos colas aglutinantes e o papelão se apresenta cada dia que passa mais poroso e mole, o que se pode constatar ao primeiro olhar,  pois sua cor é mais para um azul claro ou um cinza claro, do que o velho e bom cinza escuro de antigamente.
Afianço que não uso esse tipo de papelão.

O Papelão Couro

Assim chamado por sua cor castanha, marrom claro, é feito de cascas de arroz ou trigo. Gosto de usar esse material por ser mais denso do que o cinza. Realmente é duro e resistente à deformidade. Também sofre variações de qualidade, com mais ou menos cola aglutinante, pois tenho pedaços mais antigos que são muito mais densos do que aquele que acabei de comprar. Coisas do baixo controle de qualidade e da falta de padrão de nossa brava indústria nacional.
Esse papelão permite capas mais finas, mas muito mais firmes e resistentes do que o papelão cinza, o que é uma característica útil quando se pretende economizar espaço em uma prateleira.
Regra de Ouro para usar o Papelão

Ao cortar o pedaço de papelão para o livro, verificar sua tendência de empenamento. O papelão tende a dobrar-se e empenar sempre na direção do lado de baixo, onde houve maior acúmulo de cola durante a prensagem, quando foi fabricado. É um pouco mais liso ou um pouco mais escuro do que o outro lado.
Se errar de lado, o papelão vai vergar ou empenar para fora e o livro vai ficar com aquelas asas estranhas, principalmente quando a umidade ambiente estiver baixa.
  
O Preparo do Papelão para as Capas

Escolhido o lado, o papelão deve ser lixado em todos os seus 12 LADOS.
Pois cada pedaço de papelão tem mesmo DOZE LADOS: os quatro lados da frente, os quatro lados do verso e os quatro cantos.
Os lados ou cantos da frente ou parte de cima da capa, devem ser lixados até que as bordas fiquem bem arredondadas, na proporção da grossura do papelão ou para alcançar o efeito desejado pelo encadernador.
Os lados de dentro podem ser lixados apenas o suficiente para tirar o fio cortante que ficou depois do corte do papelão, ou ainda conforme o efeito que o encadernador quiser obter.
Os cantos internos, perto da lombada, devem ser cortados em alguns milímetros e lixados. Esse corte impede que o canto “morda” o couro e cause um efeito de alavanca que força a lombada.
Os cantos à direita devem ser arredondados.


Capa lixada e lixas


Material para Lixamento

Costumo usar lixas grossas, coladas em um pedaço de papelão que caiba em minha mão.
É uma fase bem trabalhosa da encadernação, mas resulta em um todo mais orgânico, mais ergonômico, que não corta o material de acabamento. Muito da aparência de "antigo" de alguns livros, deve-se ao detalhe do arredondamento das capas por lixamento. Infelizmente essa foi uma - das muitas - boa técnica abandonada por dar mais trabalho ou que foi simplesmente esquecida pela encadernação comercial.


Enfim

Aprendi esse detalhe da boa técnica no livro “Encadernação” da grande mestra Zelina Castelo Branco e desde então nunca fiz um livro que não fosse trabalhado dessa forma, seja ele o mais simples livro de cartório ou o mais precioso livro raro.
Sempre experimentando, encadernei esse mesmo livro com capas exageradamente grossas e lixando o máximo. Como detalhe, usei lixa envolvendo um cano de metal para fazer as depressões nos lados.

Canto interno, cortado e arredondado
Cantos direitos arredondados






















"Encadernação", de Zelina Castello Branco, ficou assim