27 de nov. de 2012

Coru Bond

Esta é a marca d'água do fabricante do papel Coru Bond

Feito em papel CORU BOND, da incipiente e atrasada indústria brasileira de papel, por uma fábrica no Vale do Paraíba, fundada em 1911, por um certo Dr. Cícero Prado, jovem advogado recém formado que compra a Fazenda Coruputuba, em Pindamonhangaba, São Paulo.


A terra é pobre, coberta por guamirins e barba de bode e a parte baixa é dominada pelo Rio Paraíba. Foram precisos vários quilômetros de dique para domar o Rio e iniciar uma das primeiras plantações de arroz do Vale do Paraíba.

Devido a grande quantidade da palha de casca de arroz o Dr. Cícero Prado funda uma fábrica de papelão em1927, produzindo de 400 à 500 quilos por dia. A partir daí, mais quatro máquinas foram instaladas, produzindo cartolina de várias qualidades, papel tipo Kraft, papel pergaminho em vários padrões, papel fosco, papel impermeável, alem do célebre produto "Coru-Bond"... 

Com a matéria prima arroz, o resultado é uma fibra muito curta e a colas usada na massa eram altamente voláteis. O resultado é evaporação em curto prazo e muita oxidação, daí a razão para que um livro feito a partir desse material esteja tão quebradiço e ressecado apesar de ser de 1950. Isso ocorre principalmente em livros da região de São Paulo. Tenho trabalhado em livros de 1900, com papéis ingleses italianos  e mesmo papéis feitos no Brasil na mesma época, como o Westerpost , em estado de elasticidade perfeito.

Papelão "couro" Agropel
Em mais um exemplo de como uma palavra pode ser corrompida, sendo esquecida sua verdadeira origem, atualmente é fabricado um papelão denso, de cor castanha que é chamado de PAPELÃO COURO, utilizado principalmente como estrutura de pastas, bolsas e malas, na Indústria de calçados, vidraçarias, Indústria de bolsas, Indústria moveleira, Indústria de bebidas, Indústria de fogos de artifício e Indústria têxtil. É fabricado principalmente com casca de arroz.

Evidentemente não é fabricado a partir do couro, mas, originalmente chamava-se PAPELÃO CORU.

outro post sobre marca d'água neste blog.    



16 de nov. de 2012

Conto do Encadernador Louco

A mão esquerda é minha mão de apoio para cortar o papel.

Primeiro marco a medida, fazendo um risco superficial com o estilete. Antes marcava com um lápis, mas nunca sabia se cortava antes da marca, depois da marca ou no meio da marca. Portanto, corto no corte.

A regra para cortar sem errar é: Primeiro o trilho, depois o corte. Ou seja: Primeiro faz um risco leve em todo o sentido do corte e em seguida corta fundo. Não tem erro.

Dependendo da pressa ou do cansaço ou da burrice, é muito fácil cortar os dedos da mão esquerda que segura a régua. Depende ainda se a lâmina é nova e ainda com a vaselina que o fabricante usa para poder vender uma do lado da outra num estojo de plástico. Depende ainda mais se é uma maldita lâmina fabricada na China, aquelas que se desfazem em pequenos pedaços ao menor deslize da mão.

Mas depende principalmente da burrice.

Já cortei de todas as maneiras. Desde a ponta do indicador até a falange do meio. Bem no meio do polegar salvo pela grossura do unha. À esquerda e à direita desse mesmo polegar. Cortes rasos, cortes fundos, talhos, arranhões. De todas as formas possíveis.

A providência é lavar com iodo, queimar um pedaço de algodão e abafar o fogo quando começar a virar carvão e aplicar este carvão ao corte. Isso faz parar qualquer sangramente no mesmo instante. Envolva tudo com esparadrapo ou micropore e deixe ficar por uns dois dias.

Usando o estilete o dia inteiro, é inevitável se cortar.

Faz algum tempo, cortei um pedaço grande do lado direito do meu dedo indicador esquerdo.

Saiu inteiro. Um pedaço de uns três centímetros, ainda com um canto de unha, ficando bem visível a derme, mesoderme, endoderme e um pedaço de carne com pequenas veias. Segurei firme acima de minha cabeça para parar o sangue e fui tratar. Lavei, apliquei algodão queimado, enrolei com uns trinta centímetros de micropore e voltei para o atelier.

O pedaço estava lá, em cima da mesa, ao lado do estilete ainda com um fio de sangue. Pensei: esse livro vai ficar com meu DNA.

Me pareceu um pedaço tão grande de mim que merecia um sepultamento digno ao invés de simplesmente ir para o lixo. Fiquei com pena e deixei de lado, recomeçando o trabalho que nunca pode parar.

Limpando a mesa no fim do dia, o que fazer com aquele bife?

"Não sei se por ironia ou se por amor ", peguei um prego e preguei o pedaço de mim já meio seco, num canto da prateleira de ferramentas.

Bastou um mes, ou pouco mais, para cortar um pedaço da ponta do polegar direito, um pouco para a esquerda. Coisa pouca. E o pedaço acabou pregado ao lado do outro.

Macabro e de mau gosto! Sem dúvida, mas são pedaços meus e me levo em grande consideração, Vão agora me censurar por meu amor-próprio, minha autoestima?

Enfim, o corpo humano tem um fascinante poder de recuperação e bastam umas semanas para o dedo ficar como novo.


Mas o "acidente" seguinte foi estranho.

Juro que foi sem querer, mas posso jurar também um lampejo de olhar maligno para do dedo, pouco antes de cortar de novo um pedaço grande do pobre indicador esquerdo.

Esse novo pedaço bem considerável foi parar ao lado dos outros, devidamente equidistantes.

O que pretento? Juntar pedaços de mim mesmo para fazer um homem novo? Mostrar que sou um mártir, quando é evidente que sou apenas um desajeitado? Lembrar o quanto sou burro e descuidado? Ou um hellraiser ensandecido? Colecionar pedaços de mim?

Quem sabe?

Hoje, o corte está curado, apenas levemente áspero na cicatriz, mas tenho me flagrado olhando de forma sinistra para a minha pobre mão sinistra, enquanto a dextra segura o estilete e desliza perigosamente a alguns centímetros da carne.