23 de nov. de 2009

Contaminação de Bibliotecas por Agentes Tóxicos

Outros títulos são adequados para esse post:

Uso de Inseticidas em Livros.

Uso de BHC e DDT em Bibliotecas.

Efeitos da Ignorância nos Acervos Culturais.

Incidência de Câncer em Cartorários.

Todos seriam necessários para atrair a atenção dos administradores de acervos públicos e donos de biblioteca para um problema grave e de conseqüências letais para a saúde.
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Fui alertado para a incidência desse problema por Deolinda Taveira, que é conservadora e restauradora de bens culturais em Goiás. Antes disso, tive uma desagradável experiência comprovada quando restaurava os livros do Registro de Imóveis de Paranaguá, sentindo efeitos de intoxicação ao manusear aquele material. Em outros acervos onde atuei, apenas desconfio que estavam contaminados, pois os efeitos foram mínimos. Por trazer os livros ao atelier, não me exponho ao ambiente geral onde estão armazenados.
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Pois Deolinda me convoca para contribuir na solução do dilema de livros contaminados por BHC e DDT, pesticidas largamente usados entres os anos 50 e 70 para combate às pragas na lavoura, na criação animal e até mesmo no ambiente doméstico. Era tido como produto químico salvador e panacéia para todas as pragas. Porém, revelou-se extremamente tóxico e altamente cancerígeno.
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Expor-se a ele superficialmente, causa irritação de mucosas, na pele, com dores de cabeça e vômito.
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Exposição prolongada causa destruição dos tecidos e câncer.
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Deolinda me manda reportagem sobre a Sra. Maria Thereza Böbel, escritora e
historiadora de Santa Catarina, que contraiu câncer ao freqüentar o Arquivo Histórico de Joinvile, onde foi usado BHC e DDT até 1985, para combate às pragas, conforme confirmado pelo Instituto Adolfo Lutz. Pois essa guerreira valorosa soube sobreviver aos danos à sua saúde, sendo culta o suficiente para denunciar o fato. Dezenas de outros freqüentadores e funcionários sentiram os efeitos do envenenamento, até o fechamento da instituição.
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Um trecho da entrevista:
PP - E o Arquivo Histórico, por que fechou?
Maria - Está fechado porque, em setembro de 2002 as moças que trabalham lá passaram mal. O acervo fica na sala de cima, a central de ar estava queimada há muito tempo e não tem servente para fazer a limpeza no local. É um calor terrível lá em cima, tem muito pó. Sem ventilação, as meninas passaram mal e todas apresentaram os mesmos sintomas, como dor de cabeça e vômito. Foram parar no ambulatório da prefeitura e foi constatado intoxicação. Nessa mesma época aconteceu aquele problema no meu exame de sangue, embora eu estivesse afastada porque não estava boa. Foi ai que relacionei a doença ao que estava acontecendo no Arquivo. Com esse fato da intoxicação, surgiu a história de ter veneno lá dentro. Aí meu marido falou: no arquivo tem veneno (BHC). A Vigilância Sanitária lacrou o Arquivo. O laudo do livro mandado para São Paulo constatou que o local está contaminado por BHC e DDT. E os dois são cancerígenos. O médico falou que meu câncer tinha pelo menos quinze anos e eu trabalhei dezoito no Arquivo. O BHC era passado até 1985, para evitar cupim, quando o Arquivo funcionava junto a Biblioteca Pública. Por ordem do antigo diretor, senhor Schneider, um funcionário passava o veneno depois que íamos embora, mas não usava máscara. No outro dia, reclamava de enjôo. O diretor não queria que os livros fossem inutilizados pelos cupins e não tinha idéia do mal que estava fazendo.
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Deolinda pesquisa fundo e me manda também a Reportagem de Paulo Bessa, “Cidade dos Meninos”, leitura obrigatória com informação importante sobre contaminação tóxica, descrevendo a dificuldade para resolver o problema da permanência de BHC, DDT e outros organoclorados em ambientes públicos.
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Vou transcrever aqui, pois ele contextualiza perfeitamente o problema, mas o link está disponível na íntegra:
“É um problema silencioso que afeta gente pobre - as maiores vítimas das incúrias ambientais praticadas diariamente neste país. Os casos de contaminação por poluentes orgânicos persistentes dão poucos dividendos na mídia e não rendem fotos espetaculares em primeiras páginas. Falarei da Cidade dos Meninos no município de Duque de Caxias (RJ). Lá ocorreu uma situação típica, pois mistura uma série de ingredientes que, em conjunto, formam uma tragédia ambiental autêntica. Não aquelas que só existem na mente dos apologistas do fim do mundo, dos modernos cavaleiros do apocalipse. Não são danos imaginários, ou danos à Borboleta Monarca. São danos reais, causados a pessoas reais – Fleisch und Blut - que, por serem pobres e sem maiores apelos para os “radicais chiques”, permaneceram inteiramente desprotegidos por cerca de 50 anos. E, como veremos, mesmo quando uma “solução” se avizinha, ela não deixa de trazer a marca da discriminação que os pobres sofrem nesta Terra Brasilis.
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O caso demonstra, inclusive, que em termos ambientais a solução de problemas em um determinado momento pode ser o próprio problema em outro, o que ressalta a importância de que novos produtos sejam corretamente avaliados. Até o lançamento do livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, os organoclorados eram considerados excelentes produtos para combater pragas e insetos, ajudando na redução de doenças e aumentando a produtividade agrícola. Entre aqueles aplicados no combate às pragas, reinava absoluto o DDT. Hoje, o produto está banido graças à Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPS) de Estocolmo firmada por 90 países, inclusive o Brasil (1). A ocasião teve como objetivo a proibição de produção e uso de 12 substâncias orgânicas tóxicas (Aldrin, clordano, Mirex, Dieldrin, DDT, dioxinas, furanos, PCBs, Endrin, heptacloro, BHC e toxafeno). No caso da Cidade dos Meninos a contaminação foi devida ao chamado pó de broca.
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A história é a seguinte: entre os anos 1950 e 1962, o Instituto de Malariologia, órgão do então Ministério da Educação e Saúde, operou uma planta industrial para a produção de Hexaclorociclohexano (HCH) e a manipulação de outros compostos organoclorados, como o diclorodifenilcloroetano (DDT) em oito pavilhões pertencentes à Fundação Abrigo Cristo Redentor, na Cidade dos Meninos. A área total é de mais de 19 milhões de metros quadrados. Aqui, cabe uma pausa para que o leitor saiba o porquê da denominação Cidade dos Meninos: tratava-se de um “colégio interno” para crianças pobres, “carentes”, “excluídas” como se diria de uma forma elegante, politicamente correta e à la mode. Como existiam pavilhões desocupados no local, decidiram produzir ali organoclorados. A típica “idéia de jerico”. Algum burocrata da época deve ter achado que seriam diminuídos custos de produção e coisas do gênero. E assim foi feito.
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Como a CPMF, as instalações seriam utilizadas “provisoriamente”. O objetivo do governo era atingir a auto-suficiência na produção de pesticidas para controle de endemias transmitidas por vetores - malária, febre amarela e doença de Chagas. Em função de dificuldades econômicas causadas pelo encarecimento dos custos para a fabricação do HCH, a fábrica foi sendo desativada. De acordo com a mentalidade prevalente na época, nenhum procedimento para encerrar seguramente as atividades produtivas foi adotado. Pelo contrário, a produção remanescente permaneceu estocada ao ar livre nas antigas dependências da fábrica, ou seja, no pátio do colégio.
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Mas - desgraça pouca é bobagem - como sabem todos os “condenados da terra”. Já que a comunidade local era pobre e desinformada, pegou o produto que estava estocado no pátio da antiga fábrica e começou a vendê-lo para faturar uns trocadinhos. Na década de 80, constatou-se que na feira de Caxias, além de tráfico de animais, existia a venda clandestina de pesticida – a produção de pó de broca que ficara abandonada no pátio do orfanato-fábrica. Quando as autoridades públicas se deram conta da questão, em fins da década de 80, ainda sobravam cerca de 40 toneladas de produto tóxico do local para serem retirados. Como manda a regra e a prática administrativa brasileira, criou-se uma comissão e instaram-se infindáveis debates para saber se a questão era federal, estadual ou municipal. Quase 30 anos já tinham passado.
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No ano de 1990, o Ministério Público do Rio de Janeiro, solicitou que o Ministério da Saúde providenciasse a desocupação da área onde se localizava a antiga fábrica. A comunidade local era composta por: menores internos, funcionários da Fundação e do Instituto de Malariologia, que desde 1962 estavam expostos aos produtos tóxicos. Em 1991, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tornou públicos os resultados de estudos clínico-laboratoriais que haviam realizado em 43 adultos e quatro crianças residentes em um raio de 100 metros do local da fábrica, nos quais foram encontrados no sangue dos amostrados níveis 65% superiores à concentração do HCH presente no grupo controle (indivíduos não expostos), porém sem correlação com patologias. Em 1993, o juízo da Infância e da Adolescência de Duque de Caxias determinou a interdição das atividades da Fundação Abrigo Cristo Redentor e a imediata remoção dos menores. Em 1996 a Fundação teve suas atividades encerradas. Isso, entretanto, não significou a total retirada de pessoas da área, pois muitos antigos funcionários permaneceram no local e lá estão até hoje.
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No dia 8 de setembro de 1993 foi firmado Termo de Compromisso de Ajustamento de Condutas e de Obrigações (TAC) entre o Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde, o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (Feema), a Legião Brasileira de Assistência, a Fiocruz, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e a prefeitura de Duque de Caxias. Mas o TAC, ao que parece, não conseguiu solucionar o problema mais grave: a contínua ocupação do local e, conseqüentemente, o estado contínuo de risco de contaminação.
A Cidade dos Meninos tem uma população residente em imóveis pertencentes à União de 1.346 pessoas, constituindo 382 famílias, compostas principalmente por funcionários da ativa e aposentados do Ministério da Previdência e Assistência Social - MPAS (ou órgãos já extintos) e seus familiares. Somente em 1995 deu-se início a um processo de descontaminação do solo. Apesar disso, não foi eficaz, como reconhecido pelo próprio Ministério da Saúde (2). “Subseqüentemente à tentativa de remediação com cal, constatou-se, por meio de alguns estudos que analisaram amostras do solo local, que a referida tentativa não foi eficaz para promover a remediação e que, inadvertidamente, acabou resultando na formação de outras substâncias tóxicas decorrentes de reações químicas dos compostos organoclorados com cal”. Cabe a pergunta: havia condição de prever o resultado das reações químicas que seriam geradas pela remediação?
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No ano de 1997 foi proposta uma ação civil pública em face da União Federal, buscando dar uma solução judicial para o problema. Em função da Ação Civil Pública nº 97.0104992-6, movida pela Procuradora da República Geisa de Assis Rodrigues, em tramitação perante a MM 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, o Poder Executivo encaminhou ao Legislativo o Projeto de Lei nº 3034/2004 (3) - sete anos após a propositura da ação - que “autoriza a União a conceder indenização por danos morais aos ocupantes de imóveis residenciais a ela pertencentes, na localidade denominada “Cidade dos Meninos“, que tenham sido expostos a compostos organoclorados”. O PL foi encaminhado aos 02/03/2004, estando há mais de um ano parado na Comissão de Trabalho e Serviço Público da Câmara dos Deputados. Espera-se que o relator acelere as providências para a aprovação final do PL.
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O ministro da Saúde Humberto Costa, em atitude de coragem cívica pouco vista nos administradores brasileiros, expressamente reconhece que: “a área ocupada é de propriedade da União, inexistindo qualquer título de posse que garanta a sua ocupação pelos moradores, sendo certo, ainda, que eventual ação de reintegração de posse implicará em demorado processo judicial que só iria agravar a situação dos habitantes da Cidade dos Meninos, uma vez que estariam expostos aos compostos organoclorados por tempo demasiadamente indefinido. Em outra vertente, mesmo que sejam adotadas medidas judiciais visando à desocupação da área, o argumento de que a permanência das pessoas na região apresenta risco à saúde, iria ocasionar a incômoda situação de colocar ao desabrigo mais de 1.300 pessoas. Em outras palavras, além da exposição aos compostos organoclorados, os moradores também ficariam desabrigados. Os estudos existentes são suficientes para se concluir que a contaminação ambiental em Cidade dos Meninos é extensa, tendo sido a área foco principal a fonte de contaminação por pesticidas que hoje se encontram dispersos na região, tornando a área de risco para a saúde humana e que as evidências da existência atual de vias de exposição humana às substâncias tóxicas, agravadas pelas características de ocupação rural da região e o modo de vida da população, recomendam providências no sentido de viabilizar a retirada dos moradores da forma menos traumática possível. Para alcançar esse desiderato, afigura-se mister e imperioso que os moradores da Cidade dos Meninos, que estiveram expostos aos compostos organoclorados, sejam indenizados pelos possíveis efeitos deletérios a sua saúde. Ainda que inexista qualquer responsabilidade da União em custear novas moradias aos habitantes da Cidade dos Meninos, a responsabilidade do Governo Federal emerge do fato de ter abandonado, sem as devidas precauções, toneladas de produtos organoclorados ao ar livre, sem que tomasse as necessárias providências para que o produto não fosse livremente manuseado por pessoas desavisadas. (4)”
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Os valores indenizatórios cogitados pelo PL, embora não sejam irrisórios, não chegam a admirar em razão da duração e da extensão do problema e de suas conseqüências para a população local. Há a previsão de R$ 10.000,00 por indivíduo, com um mínimo de R$ 50.000,00 por família. Trago o seguinte dado para reflexão: O jornal Folha de São Paulo, edição de 20 de março de 2005, demonstra que o valor médio das indenizações pagas a título de anistia política para os anistiados é de R$ 313.000,00, valor bem superior ao proposto no PL.”
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Uma reportagem ilustra a presença dos pesticidas no cotidiano.
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Artes
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Sexta-feira, 24 de julho de 2009
Dois séculos de memória
O cheiro de BHC exala com força quando o livro contábil de um antigo cartório da cidade é aberto sobre balcão para uma consulta corriqueira. Quantas vezes o volume de 80 por 40 centímetros e uns 10 quilos de peso, com capas duras de papelão e cantoneiras de metal já não foi aberto desde 1932, (aqui há um erro na reportagem, pois esses livros são regularmente consultados) quando suas anotações foram postas ali, e o cheiro do veneno agrícola que hoje nem mais é permitido no Brasil ainda pega muita gente desprevenida coçando o nariz? Bastava um filetinho no centro do calhamaço que fungo algum prosperaria entre as páginas recobertas com tinta nanquim, cuidadosamente preenchidas numa caligrafia tão cuidadosa e simétrica que parece ter saído de uma aula de educação artística.
O livro de escrituras fiscais não é o mais antigo nem o mais interessante. É apenas um entre os quase 200 mil documentos que atualmente compõem o acervo do Arquivo Histórico Municipal de Franca "Capitão Hipólito Antônio Pinheiro" e que hoje completa 20 anos de criação.
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Existem outras e mais referências que tem contribuído para o esclarecimento da população e para a tomada de atitude de todos os responsáveis pelos acervos públicos e particulares, como o material da Universidade Federal Fluminense, publicado na Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente.
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A minha resposta a Deolinda, para solução do problema prático, foi a seguinte:
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É doloroso saber da amplitude do problema. A ignorância ou a questão econômica agrária acima do bem estar da população, que reinava nos anos 60 e 70, é injustificável. Mas lamento informar que outros defensivos estão sendo usados neste momento por todo lugar. Tão danosos à saude humana e inúteis no combate às pragas quanto o BHC e DDT. São os piretróides e organoclorados conhecidos como K-Otrine, Bolfo, Audrex, vendidos livremente em qualquer lugar e largamente usados. Talvez eficientes no combate a pragas que atacam animais e próprios para uso em ambientes laváveis, são inúteis contra pragas de biblioteca e seu efeito tóxico residual tem duração indefinida. É como usar metralhadora para matar mosca: os efeitos colaterais são inexoráveis.
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A maior praga ainda é a intervenção humana desastrosa. Quando guardamos livros em ambientes inóspitos, utilizamos produtos tóxicos e manuseamos sem critério, causamos danos maiores do que qualquer cupim.
Somente limpeza protege livro.

Ainda defendo o seguinte processo:
1-Retirar os livros do ambiente contaminado, pois é no ambiente e nas instalações que está a maior quantidade de resíduos tóxicos.
2-Lavar, restaurar, substituir o madeiramento ou voltar a armazenar os livros em outro local de alvenaria e azulejo, arejado e iluminado.
3-Aspirar a poeira e resíduos superficiais dos livros.
4-Selecionar os livros por seu valor histórico/estético.
5-Separar o acervo pelo estado de conservação, em grupos, classificando-os pelo tipo de agente causador (umidade, praga biológica, contaminação tóxica, fragmentação, etc).
6-Eleger os livros representativos que serão preservados para consulta e manuseio.
7-Reencadernar estes exemplares, sempre em ambiente arejado e amplo, com proteção para as mãos e rosto. Separar capa de miolo. Refazer a capa, ou restaurar se possível, sempre preservando cararteristicas da capa original, como etiquetas e marcas de fabricante. Limpar as folhas com trincha e pó de borracha de apagar.Consertar as folhas do miolo, usando materiais e colas alcalinas. Recosturar o miolo, reforçar a lombada, lixar e pintar ou (em ultimo e extremo caso) refilar as laterais.
8-Apenas limpar e higienizar outros livros de menor interesse ou extremamente comprometidos, para serem guardados em embalagens plásticas individuais e manuseados somente com a proteção adequada por pessoal técnico treinado.
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É necessário trabalhar ao ar livre ou em ambiente sob exaustores que eliminem rapidamente o pó.
Vê-se que a tarefa demanda recursos e muita mão de obra qualificada. Não compreendo a atitude de administradores públicos e titulares de cartório que NÃO TEM NEM O CUIDADO DE ATENDER SEQUER AOS PRIMEIROS TRES ITENS ACIMA. 
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Como digo sempre, "pode jogar fora esses computadores, essa decoração, esses balcões. Só os livros são insubstituíveis, pois contém a história dinâmica de nossa sociedade e são documentos públicos sobre os quais vocês têm toda responsabilidade",

18 de nov. de 2009

O LIVRO DILACERADO

 Não costumo criticar o trabalho dos outros encadernadores. Criticar é opinar sobre o trabalho alheio e apontar falhas a corrigir. Disfarçado de um vago princípio ético, meu silêncio é o desejo de que façam o pior trabalho possível, pois, quanto pior a concorrência, maior a valorização do meu trabalho.
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Além do mais, são pessoas normalmente sem maior instrução, jamais tendo lido os livros que encadernam, sem compreender o verdadeiro valor do objeto livro.
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A Tristeza é que até conhecem as mínimas técnicas corretas, mas nunca as utilizam, a não ser que o cliente exija claramente como deseja que seu livro seja tratado. Em todos os casos, encadernam com o menor custo e o menor trabalho possível.
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Mas é impossível calar ao me deparar com certos trabalhos.
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Hoje mesmo, um pobre e mutilado livro chegou às minhas mãos. É um livro de Registro de Casamentos de cartório, preenchido no ano de 1952. Mede cerca de 48 centímetros de altura, por 32 centímetros de largura e cerca de 9 centímetros de espessura nas suas trezentas folhas.
Considerando a boa qualidade do papel importado daquela época e seu intenso manuseio, podia estar em estado razoável de conservação. Normalmente, gosto de trabalhar com o material dessa época, principalmente se nunca sofreu nenhuma interferência anterior.
O processo é o de sempre, consertando todos os rasgões com papel de seda, reforçando as dobras das folhas para recosturar.
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Mas, esse pobre livro sofreu dilacerações irrecuperáveis. Um encadernador (LH Encadernações, quando ainda era ali na Alferes Poli, em Curitiba) cometeu seu trabalho bem recentemente, há uns dois anos, no máximo. Eu sei por ter estado lá e visto. Pedi que fizessem da forma correta, mas disseram que dava muito trabalho.
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Como as dobras das folhas estavam bem desgastadas, o livro foi GUILHOTINADO bem no seu lado esquerdo, tornando únicas as grandes folhas dobradas que formam um caderno.
Em seguida, a margem esquerda foi FURADA. Como se não bastasse, errou o primeiro furo, que ficou muito perto da borda, tendo furado de novo. A seguir, simplesmente AMARROU as folhas soltas.
O que era um LIVRO composto de CADERNOS, virou um BLOCO de folhas soltas.
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Quanto às folhas internas, nenhuma delas foi consertada ou restaurada. Minto! Algumas que estavam muito rasgadas receberam FITA DUREX.
É o pior que se faz com um documento público!
A fita plástica auto-colante é extremamente ácida.
É impossível retirá-la quando recente, sem prejudicar o texto.
No curto prazo, escurece.
Se é de qualidade razoável apenas seca com o tempo e se solta. Se é barata, torna-se gosmenta.
Todos os tipos enrolam e deformam o papel.
Deixam a fibra do local ressecada e quebradiça.
Não bastando esse erro, sequer tiveram o cuidado de pelo menos escolher o lado da folha que não tivesse nada escrito. Foram colando a fita durex sem nenhum critério e de forma abundante.
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A capa já estava inteiramente destruída. Foi feita com papelão reciclado poroso e mole, de péssima qualidade, coberto de vulcapel, que é um plástico fino com forro de papel 56 gramas, que não se presta nem mesmo para livros formato ofício. Não havia reforço interno e estava presa ao miolo apenas por um tecido colado à lombada.
Na primeira vez em que foi colocado em pé, deve ter cedido ao peso do livro.
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Como encadernar um livro tão mutilado?
Refazer os cadernos, colando a folha um à folha doze, a folha dois à folha onze, sucessivamente, juntando-as com uma tira de papel o mais fina possível, considerando a grossura e o peso da folha.
O problema é que são trezentas folhas, sendo necessário usar cento e cinquenta tiras que depois serão dobradas. O volume resultante da colagem das tiras causa uma diferença de uns quatro centímetros entre a lombada e a espessura normal do livro. Ou seja, a metade de sua espessura.
A lombada fica muito mais grossa, forçando o livro a sempre ficar entreaberto, facilitando a penetração de sujeira e entrada de umidade.
Deixar o livro assim? O problema é que a abertura do livro vai ser forçada, pois a área do papel ao longo da lombada já apresenta rachaduras. É um livro velho e o papel já está seco, com o mínimo uso as folhas vão se partir longitudinalmente.
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De qualquer forma, vai demandar muito trabalho.
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Quando insisto no estabelecimento de Normas Técnicas para Encadernação de Livros e Documentos Públicos (veja Página), meu objetivo é estabelecer padrões para todos os encadernadores, um critério para julgar um trabalho, até mesmo responsabilizar o profissional que cometa um crime semelhante ao que foi perpetrado nesse livro. O responsável final, o titular do cartório, teria como exigir que a técnica correta fosse usada.
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Naquele dia, há dois anos atrás, quando testemunhei a desatrosa interfência nesse mesmo livro, meu primeiro impulso foi evitar a tragédia, arrancar das mãos inconseqüentes daqueles pobres encadernadores e sair correndo. Contive. Racionalizei que cada um tem o livro que merece. Que a corregedoria não está nem aí para esses detalhes. Que minhas preocupações devem ser psicopatias, reações anormais que ninguém vai entender. Então, senti um arrepio e soube com certeza que um dia aquele livro estaria em minhas mãos, para que eu salvasse o que fosse possível. E ia dar muito trabalho.
A profecia foi cumprida.
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Outro livro a mesma época, com as folhas intactas.