18 de jul. de 2012

Um Encadernador Medieval no Século XXI

Um Encadernador Medieval no Século XXI

Esse dias compartilharam a foto de um encadernador trabalhando em um local extraordinário. Era como um antigo mercado, onde se via as colunas altas terminando em abóbodas. Mas o artesão utlizava uma furadeira elétrica para furar grossos volumes de folhas em formato ofício. Provavelmente iria amarrar cada um desses blocos passando o fio pelos buracos. Enfim, realizava uma técnica pobre e meramente comercial.


O que me chamou a atenção foi a disparidade da imagem, composta de um lugar antigo ao fundo e um homem usando um aparelho moderno em primeiro plano. Incongruente e conflitante.

Para qualquer pessoa, talvez isso seja tão normal quanto uma tela deTV HD de 50 polegadas na Capela Sistina, mas eu fiquei chocado.

Em todo meu processo de trabalho não uso nenhum equipamento e nem um wat de energia elétrica.

O mais volumoso e pesado é uma prensa pequena e antiga. Para manuseio, uso tres espátulas de diferentes formatos, um estilete largo, um pincel para a cola, martelo, alicate, uma raspadeira e um brunidor. Tenho uma régua de 60 centímetros que é talvez o objeto mais tecnológico do atelier, pois é japonesa e de aço inoxidável, que é uma maravilha. Para cortes mais pesados e longos, uso uma barra de cobre de um metro e quarenta como guia.

A mesa de trabalho em cedro, eu mesmo fiz, usando serrote e arco-de-pua. As prateleiras também.

Mas, e para dourar? Para douração, prendo os tipos entre dois longos parafuros e esquento na chama de uma vela.

Assim, se eu fosse transportado para a Idade Média, nu como nasci, continuaria trabalhando do mesmo jeito.

Mas qual é o problema? Não tenho dinheiro para comprar uma guilhotina, um hot stamping ou uma furadeira?

Pois não se trata disso.



Ao abdicar de máquinas e instrumentos industriais de qualquer espécie estou tratando o livro com cuidado e carinho. Uma guilhotina somente desfigura o livro, uma prensa de encaixe flagela as delicadas folhas, um facão deixa as folhas cortantes. São todos intrumentos muito invasivos que agridem o livro.    

Durante uns vinte anos, fui contador por ter aprendido com alguém a profissão. Cursei psicologia mas nunca exerci. Mas aprendi por conta própria a restaurar e encadernar e todos os aparelhos, móveis e instrumentos que utilizo são feitos por mim.

Assim eram os encadernadores medievais. Eram senhores de seu ofício e de seus instrumentos de trabalho.

Assim é o homem marxista perfeito. Livre, criativo e senhor de seu meio de produção.

Ambos completamente independentes de equipamentos produzidos por outros.


Porisso a imagem do homem com uma máquina num lugar antigo causou em mim esse impacto peculiar

3 comentários:

Ivonesio Ramos disse...

Tens toda a razão Pedro Malanski, hoje em dia poucos conhecem seu ofício verdadeiramente!
Sucesso em teu trabalho é o que te desejo!

Dil Silva disse...

Parabéns, Pedro. Fiquei curioso com a solução que encontraste para substituir o componedor. Poderia postar uma foto do instrumento?
Abraço,

Luís

Unknown disse...

queria saber como vc substituiu a guilhotina, pois tb estou aprendendo sozinho, e sem muito "material tecnológico"...e sempre tive esta dúvida de como alinhar os cadernos na hora de encadernar, para que o livro fique perfeito