18 de nov. de 2010

Bibliotecários Incongruentes

Por definição, o bibliotecário é um profissional de informação. Pode ler todo o capítulo da Wikipédia que não vai achar a definição romântica que se espera: a de cuidador e provedor do livro. No máximo, suas atribuições são de organizar livros.
Mas eu tenho, pessoalmente, uma impressão desagradável dos bibliotecários, resultado das incongruências entre o que são e o que deveriam ser. Entre o que tem o privilégio de aprender mas não utilizam na prática.
Tudo começou quando fui na Biblioteca Nacional. Tinha que ficar uns dias à toa no Rio de Janeiro para acompanhar o desfecho de um processo judicial e pude ficar um dia inteiro lá dentro. Fui para conhecer o setor de Encadernação.
Lugar místico, limpo e organizado, com os encadernadores trabalhando em bancadas antigas, debruçados sobre livros  que eram carinhosamente restaurados. Apresentei-me como encadernador curitibano, interessado em conhecer o atelier e aprender algumas manhas.
Carioca é único. Fui recebido com muito mais consideração do que merecia até que reclamei do quanto era difícil aprender mais sobre encadernação em Curitiba. Meu guia me disse que regularmente alguém da Biblioteca Nacional ia para Curitiba, para dar cursos de encadernação.
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Grosseiro e impertinente, disse a ele que esses cursos eram direcionados apenas a bibliotecários, sendo assim desperdiçados, pois são pessoas que nunca irão pegar um livro para encadernar.
E é a pura verdade.
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A partir desse dia, passei a analisar os livros de biblioteca que cairam em minhas mãos.
Li alguns da PUC-PR e estou lendo outros da Biblioteca do Banco do Brasil. E ambas as bibliotecas me emprestaram livros pessimamente encadernados. Nos dois casos, os livros  eram compostos de Cadernos, mas as páginas foram Furadas e Amarradas, tornando impossível abrir o livro inteiramente. É preciso ler segurando firmemente e olhar meio de lado no final das linhas da página à esquerda e no começo das linhas da página à direita. É cansativo para as mãos, que precisam segurar firme para manter o livro aberto e  para o pescoço que precisa se inclinar para acompanhar as linhas. Por azar, lia "Viva o Povo Brasileiro", do João Ubaldo Ribeiro, que não é um livro pequeno. No meio do livro,ouvi um estalo! Os fios arrebentaram e pude ler o livro sem me cansar, mas as folhas ficaram soltas.
Todos esses livros foram encapados com vulcapel fino e sem nenhuma douração, sem nome do livro e sem nome de autor, com apenas uma etiqueta de catalogação na lombada, que soltou no primeiro dia de leitura.
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O primeiro cuidado do bibliotecário deveria ser com o livro.
Ao reencadernar não jogar fora a capa original, mas conservar, mesmo sob a nova capa padronizadinha. Essa mesma que é chamada de "capa dura" e representa a mais rasteira e frágil forma de encadernar um livro.  É pela capa que imediatamente datamos o livro, pelo estilo de um dado período, pela interpretação que um artista gráfico deu à obra. Veja os livros de Saramago: todos trazem uma gravura de Arthur Luiz na capa. Algumas capas são belíssimas, como a do "Arco Íris da Gravidade" de Thomas Pynchon. Mesmo capas de livros técnicos, permitem localizar imediatamente a data de publicação da obra, pelos recursos utilizados. Poty Lazzarotto está tanto nas capas como no corpo de livros de grandes escritores brasileiros seus contemporâneos. A capa nos dá a primeira impressão sobre o livro, mesmo as péssimas capas.
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Recentemente, o CEFET-PR padronizou as capinhas dos livros pelo horroroso critério de menor preço. Agora, estão bem escondidos sob capas de mesma cor para cada área. Além disso, todos foram furados, amarrados e refilados. Por fora parece limpo, por dentro o livro está condenado. Duro de abrir, tem que ser forçado e não vai aguentar o primeiro manuseio. Já imaginou precisar de uma xerox de uma tabela ou de um diagrama? Vi pilhas de capas originais simplesmente jogadas no lixo pelo encadernador. Eu estava lá e vi.
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Realmente, não entendo os bibliotecários. Realmente, não entendem os bibliotecários.

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