9 de ago. de 2010

Cartorários e Documentos Públicos

 de Oswaldo Gonzales
Elaborei Normas Técnicas para dar ao Conselho Nacional de Justiça,
Cartorários, amantes de livros e a qualquer interessado padrões a ser exigidos do encadernador.
Nas Justificativas, incluí um item interessante. Conto com a compreensão dos novos cartorários sem vínculos emocionais com o acervo, para que não me culpem por expressar o resultado de minha experiência pessoal. Por outro lado, minhas atuais relações com cartorários concursados estão comprovando que, dentre eles, há alguns com genuíno e louvável interesse em restaurar e preservar o acervo que lhes foi confiado. Na ausência de um envolvimento ancestral, pode ocorrer o amor à primeira vista. Contudo, esses casos de real interesse na preservação do acervo ainda não é a regra. 
Há uma discussão na Imprensa, sempre maniqueísta e simplista, que não deve ser levada a sério,  pois aborda a questão de um ponto de vista de justiceiro e não de informador. Elege um lado, normalmente o lado do falso moralismo e do lugar comum, sem se aprofundar no verdadeiro problema, o descaso para com os documentos públicos, pois os cartorários vem e vão, mas os documentos permanecem.
Segue o texto.
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II.8.a. Continuidade e Eternidade
Segundo o novo regramento legal para sucessão de titulares de órgãos registrais, a nomeação do titular ocorre após sua devida aprovação em concurso público. Até recentemente, a titularidade era herdada, transferida pelo titular ao seu descendente direto, com endosso da autoridade legal.
Respeitando os argumentos louváveis e pertinentes que são contrários à transmissão de pai para filho, levanto a questão do “Princípio de Continuidade” de que sou testemunha em muitos casos. Por exemplo, um titular afirma que seus livros foram manuscritos por seu avô, continuados por seu pai e a ele confiados, demonstrando o forte vínculo pessoal e sentimental que mantém com seu acervo.
Percebe-se a genuína e emocionada motivação para preservar os livros, mantendo-os conservados muito mais por este valor sentimental íntimo explícito, do que pelo valor documental e histórico. Testemunhei essa atitude em muitos cartórios onde atuei.
Uma vez extinta essa forma de transmissão, adotada a nomeação por concurso de pessoas que se sucedem sem laços entre si, cresce a necessidade de formular normas precisas e padrões ideais, poupando ao titular o trabalho de zelar por detalhes técnicos que podem ser inteiramente estranhos ao seu conjunto de conhecimentos. Por outro prisma, impõem ao titular os cuidados necessários e os custos suficientes para garantir a guarda e conservação dos documentos públicos sob sua responsabilidade, sem sucumbir à tentação de reduzir custos com conseqüente sacrifício da qualidade.
Essas considerações constituem tese a ser confirmada ou refutada, não caracterizando, necessariamente, a atitude dos titulares nomeados para administração de um acervo pelo qual não tem apego pessoal, estando imbuídos de responsabilidade civil e criminal inerentes à função. Contudo, a imprevisibilidade do novo método suscita seja implantado e estimulado o “Princípio de Eternidade” , ou seja, da necessidade de adotar procedimentos que assegurem a longevidade indefinida dos documentos públicos por sua importância documental e histórica implícita.
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Curioso Uso da Urina na Tipografia do Século 18

No livro "Enterrem as Correntes" (Bury the Chains) de Adam Hochschild, o primeiro grupo de antiescravocratas se reúne na tipografia do Sr. James Phillips, na Rua George Yard, 2, em Londres. Era a tarde do dia 22 de Maio de 1787 e eram doze homens que iriam dar início ao primeiro movimento organizado em prol dos direitos humanos.
Autor preocupado em ilustrar a obra com detalhes sobre a época, faz uma descrição de como era o trabalho na tipografia.
"Os tipos estariam em bandejas inclinadas de madeira com compartimentos para as diferentes letras; os tipógrafos que compunham em linha reta letra por letra estariam trabalhando, no final do dia, sob a luz de velas de sebo, cuja fumaça, ao longo das décadas, escureceria o teto.
"Os impressores, operando manualmente uma prensa plana, pegariam as grandes folhas de papel de prensa, cada qual com muitas páginas impressas. e usariam um instrumento semelhante a uma vara para pendurá-las no alto, nas dúzias de varais, para a tinta secar. Em volta, nas laterais da sala, pilhas de folhas secas, o último livro contra a escravidão ou um panfleto dos quakers, estariam esperando ser dobradas ou encadernadas. E, finalmente, o mais característico de uma tipografia do Século XVIII: o seu cheiro.
"Para colocar tinta nos tipos, quando estavam na base plana da prensa em que era colocada a fôrma, os impressores usavam uma almofada de couro revestida de lã com um cabo de madeira. Devido à alta concentração de amônia, o solvente mais conveniente para limpar os resíduos de tinta que acumulavam nessas almofadas era a própria urina dos impressores. As almofadas eram mergulhadas em baldes de urina, em seguida espalhadas no chão ligeiramente inclinado para que os impressores andassem sobre elas quando trabalhavam, comprimindo-as para que o líquido escorresse."
Esse é relato do autor, que pode ser a mais pura verdade, mas chego a duvidar que acontecia na época da reunião, parecendo ser coisa de duzentos anos trás. Nunca se sabe!
Leiam o livro. É genial.

Clima seco e o ressecamento de papel e livros

Depois  de enfrentar primavera e verão com alagamentos e elevada umidade do ar, o inverno nos traz dias de clima seco.
Estas situações climáticas extremas produzem efeitos igualmente nocivos para o papel e algum cuidado é necessário.



Para acervos valiosos, como em museus e bibliotecas, a umidade do ar é mantida em torno de 50% graças a cuidados com isolamento do local e sistemas de condicionamento do ar diariamente calibrado por higrômetro.
Contudo, a imensa maioria dos outros livros está guardada em locais comuns, como numa estante em nossa casa, em bibliotecas públicas de grande fluxo de pessoas, em acervos particulares onde o dono prefere os livros expostos nas paredes do que protegidos em uma sala climatizada, em bibliotecas escolares que já fazem muito por simplesmente existirem, em inumeráveis situações e em salas ou armários de cartórios. Como em todos esses ambientes é essencial que o livro esteja ao alcance dos interessados, por comodidade ou praticidade, ficam permanentemente expostos a variações de umidade.
Exemplos extremos
Um livro guardado em sala com intensa circulação de pessoas, num cartório instalado em um casarão antigo de Paranaguá, porto marítimo do Paraná. Está tão úmido que seria possivel torcer e ver gotejar água. A capa de papelão com acabamento em lona está mole e solta, pois a cola orgânica antiga amolece com a umidade. Todas as folhas estão umidas, desde as iniciais até as mais internas. Há amostras de cupins em todos os estágios do inseto: ovos, larvas, cupins adultos e restos de cupins mortos.
Um livro de uma cidade do norte no Paraná está completamente ressecado, com as folhas quebradiças que se partem ao menor descuido, com quase todas apresentando pequenos rasgões na área perto das costuras onde as folhas se dobram quando o livro é aberto.
Dois exemplos extremos de livros sob condições mais ou menos estáveis. Mas essas condições podem ocorrer alternadas numa mesma região, como em Curitiba, por exemplo, onde as estações são bem distintas. Aqui, tivemos primavera e verão com muita chuva e estamos com o outono prometendo ser seco.
Não encontrei nenhum índice que meça a evaporação da celulose, seja no ambiente de umidade e temperatura ideal, seja em condições extremas. Mas a experiência aponta que um papel de media qualidade, guardado em uma estante mais ou menos ventilada, começa a apresentar sinais de oxidação em poucos anos, enquanto os efeitos da umidade ou do ressecamento já são sensíveis alguns dias depois.

Pobres Livros de Cartorio no Interior

Os pobres cartórios do interior sofrem com a falta de mão de obra especializada no restauro e conservação de seus livros oficiais.
Quando muito, dispõem de um esforçado encadernador que também faz os livros contábeis e um ou outro trabalho de monografia, quase nunca tendo oportunidade de trabalhar em livros propriamente ditos. Para todos os trabalhos, usam a mesma técnica simplória e os materiais mais frágeis. Aliás, os encadernadores comerciais das Capitais e das cidades maiores também trabalham assim.
De tempos em tempos, os cartórios recebem propostas de encadernadores de São Paulo ou Santa Catarina, oferecendo seus serviços. Conheço um caso aqui mesmo em Curitiba, na 2ª Circunscrição. Contrataram o serviço, que incluía transporte, estadia e alimentação de duas pessoas, usando dependências do próprio cartório. Imagine-se o custo e o transtorno.
Os livros foram batidos para igualar as folhas, foram furados e amarrados com linha de pesca, colada a lombada com grossa camada de cola sobre os cadernos sem restauro e um pedaço de tecido sobre tudo. A Capa foi feita de folhas duplas de papelão cinza, sem nenhum lixamento, cobertas finalmente por corvim.
Não resta nenhum deles nessa circunscrição, pois estavam caídos das capas e com as folhas partidas pela linha de pesca e refiz todo o acervo faz uns quatro anos. Mas ainda existem muitos por aí. Caros, feitos sem nenhuma técnica e frágeis.
Optar por um serviço desses traz como conseqüência a redução da vida útil do livro.
Além de precários encadernadores locais e dispendiosos encadernadores importados, a única outra saída é recorrer ao meu trabalho.
Mas, como providenciar o transporte seguro dos livros? São documentos únicos e insubstituíveis, sendo impensável pensar que possam ser perdidos.
O primeiro obstáculo é colocado pelo juiz local. Teme tirar o livro da Comarca, pois tem zelo pelo documento.
O seguinte obstáculo é a inexistência de transportadoras que ofereçam garantias totais de que o transporte será feito com cuidado, responsabilidade e eficiência. Fazem triangulações e transbordos, aumentando o risco de imprevistos. Têm a aparência de transportadoras de atacado, tratando todas as mercadorias com igual desinteresse.
O PAPEL DOS CORREIOS
Uma instância que deveria inspirar confiança absoluta é a dos Correios e do SEDEX, mas até hoje não encontrei nenhum titular de cartório que não tremesse diante dessa hipótese. Todos desconfiam dos Correios, alguns tendo tristes experiências pessoais de extravio de documentos e do péssimo estado que chegam ao destino, quando chegam.
Estou tentando obter dos Correios dados estatísticos sobre eventos de extravio, mas não acredito que minhas solicitações sejam atendidas. Uma empresa concessionária de serviços públicos costuma agir com extrema arrogância, julgando-se inamovível de sua posição. Provavelmente, não serei sequer considerado. Se, por acaso, obtiver resposta, vou receber deles uma coletânea de argumentos corporativos, típica de um organismo que se apega à mentiras que inventa e nega o que acontece no nosso mundo real.
Se, desafiando meu pessimismo, os Correios puderem oferecer argumentos que desmintam a imagem de ineficiência e possam prestar um serviço absolutamente sem falhas, serei seu maior divulgador.
Por enquanto, alguns cartorários conseguem me mandar uns livros, com sacrifício e dificuldades. Um, manda pelo prefeito da cidade que, solícito e cooperativo, traz um livro quando vem a Curitiba. Outro, aproveita uma convenção ou uma visita de família, para trazer aqueles livros mais deteriorados.
A grande maioria apenas lamenta não ter como mandar e nem a quem recorrer. Meu conselho a eles é que esperem. Não confiem o livro a nenhum respeitável encadernador. Deixem descansar os livros tão dignamente envelhecidos, contando sua história nas capas puídas e nas folhas amareladas e soltas. Um dia serão salvos, se Deus quiser.
Abaixo, minha tentativa junto aos Correios:
Caro(a) Pedro Malanski
Sua mensagem foi registrada em 13/04/2010 - 12:17 sob o código 6276682.
Agradecemos por utilizar os serviços dos Correios.
O prazo previsto para responder sua manifestação é de até 5 dias úteis.
Entretanto, informamos que poderá ocorrer comprometimento no prazo das respostas, nas seguintes situações:
- Dados incompletos no registro da manifestação;
- Quando identificada falha na prestação do serviço de objeto postado sobre registro, passível de indenização ou restituição de preços postais.
Atenciosamente,
Central de Atendimento dos Clientes dos Correios
Seu(s) questionamento(s) foi (foram):
Senhor administrador.
Realizo trabalho de encadernação e restauro de livros para cartórios de Curitiba. Tenho sido consultado por titulares de cartório do interior do Estado, mas enfrento o problema de transporte desses livros. São livros de tamanho máximo de 60 X 40 centímetros, com uns 10 cm de espessura, pesando, no máximo, 20 quilos.
De grande responsabilidade e insubstituíveis, os cartorários TEMEM CONFIAR ESSE MATERIAL AOS CORREIOS. Falam do estado que as encomendas normalmente chegam, de extravios, de temor generalizado.
Para tentar desmistificar ou esclarecer os cartorários, TENHO ARGUMENTADO que é confiável e rápido, custando pouco. Mas não tenho convencido ninguém.
Peço sua ajuda, informando-me se há alguma estatística sobre extravio ou danos de correspondência.
Se há alguma forma de convencer meus clientes de que o risco é mínimo.
Se existe alguma garantia que os Correios possam fornecer, talvez mesmo uma correspondência de nossa administração estadual que tranquilize esse público.
Se há casos em que o transporte de documentos públicos já é feito.
Tenho deixado de fazer imúmeros livros do interior e os poucos que faço chegam por ajuda de terceiros, de forma que há muitos livros precisando de minha urgente interferência.
Sendo o meu trabalho único, com utilização de técnicas clássicas e materiais nobres, realmente não há outros que possam realiza-lo.
Agradeço muito se puder dedicar um pouco de seu tempo para o assunto, em nome de tantos livros em triste condição.
Há mais informações sobre meu trabalho no BLOG: "CUIDAR DO LIVRO".
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Esta é uma mensagem automática. Por favor, não a responda. Caso queira contatar os Correios ou registrar uma nova manifestação, utilize os canais abaixo:
Internet: www.correios.com.br
Pesquisei superficialmente o tema "correios*reclamações*acidentes*extravio" e a quantidade de eventos  é enorme. Notíciais de hoje, dia 17 de abril, apontam que houve 850 ocorrências no PROCON de São Paulo. Uma delas, de um LUTHIER que encaminhou um instrumento de sua autoria e foi parar em outro lugar.
Já estou desistindo.

DIÁRIO DOS CORREIOS
Hoje é 23 de Abril, quase dez dia depois de minha tentativa inicial. Nenhuma resposta dos Correios.
Parece que eles se prestam mais a fazer entrega para contrabando, remédios sem receita e papéis absolutamente irrelevantes. É engraçado: uma empresa que deveria zelar, acima de tudo, pela sua credibilidade, não ser digna de confiança. Mais irônico ainda, é que podem estar pensando numa "grande campanha publicitária que resgate a credibilidade dos Correios perante a população".
Dia 27 de Abril, SILÊNCIO.
Remeti via SEDEX um livro no formato 60 X 45 cm, pesando 14 quilos, para uma cidade do interior do Paraná. Custou R$34,10, com código de rastramento.
Resolvemos acreditar na qualidade dos Correios no nosso Estado.
Dia 28 de Abril.
Recebi um livro formato 60 X 45 cm. postado ontem do interior. Chegou rápido e em perfeito estado.
Ponto para o SEDEX.
Contudo, jamais obtive resposta ao meu questionamento.

Tenho realizado inúmeros trabalhos para o interior do Paraná, e para São Paulo, capital e interior, usando o SEDEX.
Nunca houve qualquer atraso ou acidente.
 


Livros de Cartório

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Livros inteiramente restaurados.



Todas as folhas foram reparadas e as dobras dos cadernos foram reforçadas.
O livro foi recosturado com reforços em tecido.
A capa tem lombadas e cantos em couro e espelho (parte central da capa) em tela (tecido com base de tinta latex e marmorizado em tinta esmalte).
Outros detalhes:
  • Nervuras para proteção da douração.
  • Folhas de guarda em papel marmorizado.
  • Inclusão de novos cadernos de quatro folhas, em branco, no começo e no fim do livro, para proteção das folhas oficiais.
  • Reparos com papel-seda ou japonês.
  • Nunca refilo um livro (cortar os lados das folhas), faço lixamento e pintura das laterais.
  • Uso de folhas duplas de "Papelão Couro" para as capas, mais denso do que o cinza, devidamente lixado e arredondado nas bordas, para não morder o couro.
  • Costura com fio encerado com cera de abelha, para prevenir fungos.
  • Retirada de materiais estranhos (durex, grampos, pó de borracha, etc) e limpeza.
Estes e muitos outros detalhes fazem o meu trabalho único.
O nível de sofisticação e carinho com o material não são encontrados facilmente por aí.
O preço?
Esses aí, saíram por cem reais cada um, fazendo parte de um acervo a restaurar de cerca de mil livros.
O resultado: Livros salvos da decrepitude, resistentes ao manuseio cotidiano e muito bonitos!
Modéstia para quê? "É a nulidade de todos os talentos e o talento de todas as nulidades" (A. Conte).